Em cartaz: o testamento. O direito na realidade e o direito nos cinemas
- Em 05/04/2024
Ao assistirmos filmes e séries que se passam nos Estados Unidos e em outros países do mundo, notamos que ao falar de testamento e sucessão há conceitos e estruturas que não conhecemos e outros que funcionam de forma distinta no Brasil.
Séries como “Succession” da HBO, desenhos animados como “Aristogatos” da Disney e grandes sucessos como “A Fantástica Fábrica de Chocolates” e obras literárias como “Razão e Sensibilidade” de Jane Austen.
Diversas novelas brasileiras também tratam sobre testamento e sucessão, ao desenvolver tramas falando sobre disputas pelo poder e pelo patrimônio.
“Razão e Sensibilidade” de Jane Austen narra a vida das 3 filhas de uma mulher que acabou de perder seu marido. Mas que, apesar do patrimônio do falecido pai, não tem direito a nada, uma vez que o patrimônio, segundo a lei inglesa vigente à época, é de direito de herdeiros do sexo masculino.
Tal conceito, hoje, é inconcebível, mas à época, no início do século XIX, era uma realidade.
Os “Aristogatos” da Disney, de 1970, narra as aventuras de uma gata abandonada em um local distante para retornar para casa, após o falecimento de sua dona.
Sua dona, ao falecer, determina que a gata deveria herdar toda a sua fortuna. Porém, o mordomo de sua falecida dona, o qual deveria cuidar da gata e administrar o dinheiro, decide abandoná-la a gata em um local distante.
Atualmente, o tema é bastante atual, considerando como donos de animais de estimação, por amor, desejam deixar bens para que estes sejam bem cuidados.
Em “A Fantástica Fábrica de Chocolates”, baseado no livro de Roald Dahl, de 1964, com versões para o cinema de 1971 e 2005, Willy Wonka realiza um concurso para que 6 crianças, que tiverem o “bilhete dourado” visitem sua incrível fábrica de chocolates e doces e, dentre essas 6 crianças, uma delas seria seu herdeiro ou herdeira, uma vez que este não tinha filhos.
Durante o desenvolvimento da história, percebemos que os pais de Willy Wonka estão vivos e vivem em uma pequena cabana dentro da fábrica de chocolates.
E, em “Succession” da HBO, assistimos a briga pelo poder entre os herdeiros de um grande império.
Se reunirmos os filmes, as séries e novelas, perceberemos que “trust fund”, “offshore” e testamentos são referências comuns.
Hoje, vamos conversar um pouco sobre esses termos e esclarecer a confusão sobre quais conceitos se aplicam tão somente ao direito norte-americano, por exemplo, e quais encontram similares de acordo com a lei brasileira:
- O que é o trust fund?
- Existe trust fund no Brasil?
- As offshores: desmistificando o conceito
- Paraíso ou limbo fiscal?
- Quanto custa para a constituição e manutenção?
- Qual é a legislação aplicável?
- O testamento e a lei brasileira.
- O Testamento como Ferramenta de Planejamento Sucessório
- As Vantagens da Arquitetura Sucessória
O que é o trust fund?
O termo é comumente ouvido em filmes norte-americanos ao se falar em pais ou avós cujo patrimônio encontra-se em trusts, sendo que os herdeiros e sucessores recebem de tempos em tempos os rendimentos e somente sob determinadas condições, como, por exemplo, idade ou casamento, tem acesso ao valor total do trust, o qual é administrado por uma pessoa de confiança de quem o instituiu.
O motivo do trust: as vantagens fiscais em uma país em que os impostos decorrentes da sucessão podem variar de 18% a 40%… ou seja a instituição de um trust decorre de realização de arquitetura sucessória!
Segundo o direito norte-americano, um trust é uma forma de estrutura legal que envolve a criação de uma entidade separada e independente, geralmente uma empresa, para controlar e gerenciar os ativos de um grupo de pessoas ou empresas.
O trust geralmente é estabelecido por um doador que transfere propriedades, ativos financeiros ou outros bens para a entidade. Os beneficiários do trust recebem os benefícios do trust, como renda ou lucro, de acordo com as disposições estabelecidas pelo doador.
O objetivo principal de um trust é proteger e gerenciar os ativos de um grupo de pessoas ou empresas, e é muitas vezes usado para fins de planejamento sucessório, caridade ou beneficência, ou para gerir e proteger ativos de investimentos de longo prazo.
Os trusts são frequentemente usados para evitar a tributação excessiva ou para proteger os ativos de litígios, falência ou outros riscos.
Aqueles que acompanham os nossos artigos começam a notar que o trust, nos Estados Unidos, é uma importante ferramenta no planejamento sucessório e deve estar se questionando: existe o instituto do trust no Brasil?
Existe trust fund no Brasil?
A figura do trust, com tal denominação, não existe no direito brasileiro.
No Brasil, possuímos institutos similares ao trust. Contudo, o trust, conforme o conceito norte-americano, não é previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
Porém, há estruturas similares, como os chamados “fundos de investimento em direitos creditórios” (FIDCs) e “fundos de investimento em participações” (FIPs). Essas estruturas são regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e são usadas para diversos fins, como planejamento sucessório, investimentos em projetos imobiliários e de infraestrutura, e gerenciamento de patrimônio.
Tais estruturas possuem alto custo de criação, devendo ser registradas perante a CVM, a qual tem normas rígidas para gestão e administração, que deve ser realizada por profissionais habilitados para tanto, o que as tornam inadequadas para muitos planejamentos sucessórios ou tributários.
Ainda, há o fideicomisso, previsto no Código Civil brasileiro.
No fideicomisso, uma pessoa determina, em testamento ou contrato, a destinação de um bem imóvel para o sucessor do seu herdeiro. O herdeiro ou legatário que recebe em primeiro grau o imóvel denomina-se fiduciário, ficando ele com o encargo de transmitir a propriedade para aquele que será o proprietário final do bem, designado fideicomissário, momento no qual é devido o pagamento do ITCMD.
Essa figura jurídica é regulamentada pelo Código Civil brasileiro, que estabelece que o fideicomisso pode ser constituído por testamento ou por contrato, desde que sejam respeitados alguns requisitos, como a determinação do objeto do fideicomisso, a indicação do fiduciário e do beneficiário, e a fixação do prazo para a administração do bem pelo fiduciário.
É certo dizer que há semelhanças, mas que não são exatamente o mesmo conceito.
Para aqueles que possuem patrimônio no exterior, é possível constituir trusts no exterior, verificando-se os requisitos do país de sua constituição.
O Projeto de Lei nº 4768/2020 busca a regulamentação do trust no Brasil, ao introduzir em nosso ordenamento jurídico o “Regime Geral de Fidúcia”, prevendo segregação do patrimônio das partes do contrato por meio da criação do patrimônio de afetação, fundamental para a segurança jurídica do contrato de fidúcia por diferenciar o patrimônio do instituidor do patrimônio do administrador
Segundo o projeto de lei, o “negócio jurídico pelo qual uma das partes, denominada fiduciante, transmite, sob regime fiduciário, bens ou direitos, presentes ou futuros, a outra, denominada fiduciário, para que este os administre em proveito de um terceiro, denominado beneficiário, ou do próprio fiduciante, e os transmita a estes ou a terceiros, de acordo com o estipulado no respectivo ato constitutivo”.
Para a proteção patrimonial um inequívoco benefício, os bens transmitidos em fidúcia constituem patrimônio autônomo, não respondendo por dívidas do fiduciário, mas somente por dívidas vinculadas à propriedade fiduciária, exceto em caso de fraude.
Além disso, o fiduciário não pode utilizar os bens recebidos fiduciariamente em seu proveito, devendo respeitar as normas do contrato e as regras estabelecidas pelo fiduciante, como no trust.
As offshores: desmistificando o conceito
Na tradução literal do inglês, “offshore” significa “em alto mar”, mas também é utilizado para indicar conta corrente aberta fora do país de origem, ou seja, em outro país que não aquele em que a pessoa possui residência fiscal.
Paraíso ou limbo fiscal?
Cada país possui sua legislação específica para a abertura de offshores, as quais podem ser abertas em diversos países do mundo, Estados Unidos (Flórida, Nevada ou Delaware), nas Ilhas Cayman, Holanda, Irlanda, Uruguai, Paraguai, dentre tantos outros.
O que define onde abrir a offshore? Os fatos a serem sopesados para tal definição podem considerar a sua finalidade, seu custo e os interesses futuros das partes envolvidas, por exemplo, um empresário que deseje comprar imóvel em Portugal ou nos Estados Unidos.
Alguns países, diante dos benefícios fiscais oferecidos ou dos requisitos para a abertura de uma offshore, são conhecidos como “paraísos fiscais”.
O Banco Central do Brasil possui uma lista de países considerados como “paraísos fiscais”, os quais têm fiscalização mais severa pelo governo brasileiro e de outros países, para se evitar crimes fiscais e evasão de divisas, ou seja, a retirada de recursos do Brasil.
Importante lembrar que o envio de recursos deve ser sempre realizado por meio de transação de câmbio, junto à instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil.
O envio de valores em moeda “dentro de uma mala” é ilegal. Cada país tem um limite legal de valor em moeda corrente para a entrada de pessoas físicas dentro de suas fronteiras.
Por exemplo, nos Estados Unidos, só se pode entrar com até US$10 mil por pessoa, o mesmo valor se aplica ao estrangeiro que deseje entrar no Brasil.
Quanto custa para a constituição e manutenção?
A constituição de uma offshore depende do país em que se abre a conta corrente e dos serviços contratados na abertura como, por exemplo, contratação de endereço fiscal no exterior, representante legal, dentre outros.
Além disso, anualmente, devem ser pagas as despesas de manutenção.
A solicitação de cópia de documentos ou de elaboração de documentos também é cobrada adicionalmente, tendo os correspondentes custos de consularização no país de origem, bem como de tradução juramentada e registro no Brasil.
Qual é a legislação aplicável?
Ao se constituir uma offshore, de acordo com a legislação brasileira, esta deve constar na Declaração de Imposto de Renda, bem como junto ao Banco Central do Brasil, que monitora o valor do capital brasileiro no exterior.
A falta da declaração junto ao Banco Central do Brasil tem como consequência a aplicação de multa, em valor proporcional ao valor do investimento no exterior.
Temos de destacar que o Banco Central do Brasil presta especial atenção às offshores com sede em “paraísos fiscais”.
Ainda, os sócios da offshore, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, devem declarar as offshores e os valores nela investidos em declaração de imposto de renda.
Ao falarmos em offshores na proteção patrimonial (https://en.azevedoneto.adv.br/mitos-e-verdades-sobre-a-protecao-patrimonial/), entende-se de que estas são sócias de outras empresas, para a preservação do patrimônio da pessoa física.
Para tanto, os documentos a serem providenciados vão desde: (i) cópia de atos constitutivos da offshore emitidos pelo país em que se localiza sua sede, os quais devem ser consularizados, traduzidos por tradutor juramentado e registrados em cartório de títulos e documentos; (ii) à procuração outorgada pela empresa estrangeira a procurador residente no Brasil.
Por outro lado, também se faz necessário observar a legislação do país em que a offshore tem sua sede.
Observando a uma tendência mundial, muitos países alteraram suas leis, para que refletissem a severidade como o tema tem sido tratado, ou seja, o aumento da fiscalização, para se compreender a origem do dinheiro investido em seu país.
O Banco Central do Uruguai, por exemplo, exige que a offshore declare anualmente os valores investidos no país.
Cada país tem suas regras específicas que devem ser observadas sob a pena de serem aplicadas as penalidades definidas em lei.
O testamento e a lei brasileira
A legislação brasileira é clara, o testador dispõe de 50% de seus bens para destinar a quem quiser, devendo os demais 50%, denominados como legítima, serem destinados aos herdeiros obrigatórios, assim compreendidos:
Cônjuge: O cônjuge sobrevivente pode ter direito a uma parte dos bens do falecido, mesmo que não haja testamento.
Descendentes (filhos e netos): Os filhos e netos geralmente têm direito a uma parte dos bens do falecido. Em alguns casos, a lei pode especificar a divisão entre filhos e cônjuge.
Ascendentes (pais e avós): Em algumas jurisdições, os pais e avós também podem ser considerados herdeiros obrigatórios.
Com o testamento, por exemplo, o testador pode prover com mais recursos filhos deficiente, hipossuficientes ou que tenham sido diagnosticados com doença grave, para garantir o futuro deste, em sua ausência.
Importante destacar que, uma vez que o testamento é um documento que reflete as vontades e instruções da pessoa falecida, em relação à distribuição de seus bens, se é possível determinar condições para a sua distribuição:
Idade ou Cumprimento de Certas Condições: Pode-se condicionar a distribuição dos bens à idade ou ao cumprimento de certas condições pelos herdeiros, como a conclusão de uma educação específica.
Manutenção de Certas Propriedades ou Ativos: O testador pode estabelecer condições para a manutenção de certas propriedades ou ativos, como uma casa de família.
Restrições sobre o Uso dos Bens: O testamento pode impor restrições sobre como os bens herdados podem ser utilizados, como, por exemplo, para fins educacionais, de saúde ou filantrópicos.
Exclusão em Caso de Certos Comportamentos: O testador pode excluir herdeiros se eles se envolverem em comportamentos específicos, como alienação parental, criminalidade, entre outros.
Além disso, há hipóteses legais em que um herdeiro pode ser excluído de um testamento, como o comportamento indigno, ou seja, o fato do herdeiro ter agido de maneira prejudicial ao falecido ou o desrespeito às condições do testamento.
O Testamento como Ferramenta de Planejamento Sucessório
Nesse contexto, resta claro como o testamento pode ser uma ferramenta poderosa de planejamento sucessório, na medida em que permite que o testador, após o seu falecimento, manifeste sua vontade e seus desejos a seus entes queridos (ou não…).
Se analisarmos, conjuntamente ao caso de Zagallo, o caso da família de Aloysio Faria, verificamos que, este, tinha em mente outros objetivos ao redigir seu testamento (https://en.azevedoneto.adv.br/familia-vende-tudo-as-ferramentas-da-arquitetura-sucessoria-e-a-harmonia-familiar/).
Aloysio Faria era um visionário que sempre investiu na profissionalização da gestão de seus negócios, por meio da contratação de profissionais especializados, um investimento no futuro de seu legado!
A profissionalização da gestão é uma importante ferramenta na preservação e crescimento do legado familiar.
Os herdeiros e sucessores de Aloysio Faria, 5 filhos, netos e bisnetos, também foram preparados para sucedê-lo na gestão dos negócios. Porém, Aloysio fez muito mais do que prepará-los, em testamento, deixou instruções aos seus herdeiros para proteger seu patrimônio dos riscos dos negócios e, acima de tudo, garantir a harmonia entre seus filhos, netos e bisnetos.
Ao redigir seu testamento, Aloysio tinha uma estratégia em mente.
Considerando que os controladores de uma instituição financeira são responsabilizados em caso de insolvência, Aloysio desejava que sua família não tivesse mais esse risco.
Sim, você entendeu corretamente, proteger seu patrimônio e herdeiros de riscos do negócio, também pode ser um dos objetivos do planejamento sucessório!
Em seu testamento, Aloysio deixou recomendações para a venda de ativos a divisão de patrimônio.
As Vantagens da Arquitetura Sucessória
Ora, o planejamento sucessório permite a estruturação antecipada da sucessão do patriarca ou matriarca da família, podendo, conforme o caso, ter as seguintes finalidades (https://en.azevedoneto.adv.br/tudo-o-que-voce-sempre-quis-perguntar-sobre-o-planejamento-sucessorio/):
– Economia tributária na sucessão patrimonial;
– Preservação patrimonial, por meio de ferramentas que implementam as regras para a administração do patrimônio, após o falecimento do patriarca ou matriarca;
– Harmonia das relações familiares;
– Proteção patrimonial, para as famílias empresárias, garantindo o sustento familiar em meios às crises e à instabilidade político-econômica;
– A profissionalização da administração da empresa familiar; e
– Evitar a demora e custos de ação de abertura de inventário, principalmente quando há hostilidade entre herdeiros.
O planejamento é um investimento a ser feito na preservação do patrimônio, que utiliza como ferramentas não apenas holdings patrimoniais e doações (https://en.azevedoneto.adv.br/jogos-de-estrategia-a-gestao-do-patrimonio-no-planejamento-sucessorio/).
Há muitos outros recursos cujo uso deve ser avaliado de acordo com o caso prático e com as prioridades de cada família (https://en.azevedoneto.adv.br/guia-pratico-sobre-os-beneficios-do-planejamento-patrimonial-e-sucessorio/), assim como Aloysio se utilizou do testamento para orientar seus herdeiros e sucessores!
As ferramentas a serem utilizadas vão do testamento, às doações, constituição de “holding patrimonial” e administradora de bens, fideicomisso, protocolo familiar, acordo de sócios ou acionista, dentre tantos outros, variam de acordo com o caso prático.
Ao entender as características e necessidades de sua família, as ferramentas a serem utilizadas serão definidas
Não existe uma fórmula fixa para o planejamento, este deve ser customizado a cada entidade familiar!
A arquitetura sucessória é um investimento na preservação de seu patrimônio, independentemente do tamanho e da composição deste.
Os principais objetivos e a estrutura a ser adotada serão determinados de acordo com as suas necessidades e prioridades.
Consulte os nossos advogados especializados e entenda como usar essas poderosas ferramentas para garantir o futuro de sua família!
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