O tempo e o inventário judicial
- Em 31/03/2022
Como desentendimentos e conflitos podem destruir o legado familiar
Em nossos artigos falamos sempre as vantagens do planejamento sucessório.
Para que você as entenda com base na realidade do que pode ser uma ação de abertura de inventário, vamos conversar, hoje, sobre o caminho que percorre uma ação de inventário perante o Poder Judiciário e os obstáculos que podem surgir ao longo da estrada.
Você sabia que o inventário judicial mais longo do Brasil durou 107 anos?
Sim, trata-se do inventário do Comendador Domingos Faustino Correa, o qual enriqueceu explorando minas de ouro e pedras preciosas que, ao morrer em 23.6.1873 (período imperial), no Rio Grande do Sul, deixou um testamento confuso e cheio de peculiaridades. Somente em 1984 a ação de inventário foi concluída.
Quando falamos em peculiaridades, em seu testamento, havia disposições que implicavam em obrigações para até a 4ª geração de sucessores. Além disso, havia uma quantidade imensa de beneficiários e sucessores, ainda que o Comendador não tivesse tido filhos legítimos!
Os beneficiários de seu testamento eram membros da sua família, bem como outras pessoas indicadas em seu testamento.
Após 107 anos de uma longa e complexa ação judicial, o resultado foi que o patrimônio se perdeu ao longo de conflitos e, em 1984 com o encerramento do processo no Brasil, ninguém recebeu qualquer valor em decorrência de seus direitos sobre os bens do Comendador.
São mais de 2.400 volumes, ou seja, mais de 600.000 folhas entre petições e documentos!
Na Argentina, Uruguai e Paraguai ainda tramitam ações judiciais acerca de bens e direitos do Comendador.
Mas, onde estão hoje os bens que compunham o inventário? O que restou foi parar com o Tesoura Nacional.
Você deve estar se questionando qual o motivo de tanta confusão. Podemos desde logo identificar alguns deles: (a) um testamento confuso e tão peculiar cuja execução apresentava muitos obstáculos de ordem prática; (b) os conflitos entre beneficiários e sucessores que só aumentaram a litigiosidade do inventário; e (c) a gestão dos bens durante o trâmite da ação judicial, por 107 anos!
Note que os três pontos que identificamos acima, isolada ou conjuntamente, são problemas que podem existir em qualquer inventário, independentemente de seu valor!
Neste artigo vamos entender:
- O que é o inventário e quando é obrigatório que o inventário seja judicial?
- Qual o custo do inventário?
- Quanto tempo demora uma ação de inventário?
- Quais os fatores que influenciam no tempo de duração de um inventário judicial?
- Quem é o responsável pela administração dos bens durante o inventário?
- Qual o papel do testamento?
- Como a demora pode prejudicar o legado deixado?
- Como minimizar os riscos do inventário judicial?
Vamos conversar sobre problemas reais e comuns a muitas famílias, os quais poderiam ser evitados!
O que é o inventário e quando é obrigatório que o inventário seja judicial?
Inventário é o nome do procedimento formal dado para se transmitir os bens e direitos de uma pessoa falecida a seus herdeiros e sucessores, procedimento obrigatório, segundo a Lei nº 5.869/1973.
O inventário pode ser judicial ou extrajudicial.
O inventário extrajudicial é possível somente quando todos os herdeiros e sucessores são maiores e capazes e há acordo entre as partes quanto à partilha dos bens.
É realizado perante cartório de notas, e é um procedimento mais célere e barato do que o inventário judicial.
Porém, se há herdeiros incapazes ou menores de idade, se não há acordo entre os herdeiros quanto à divisão dos bens e direitos deixados, deverá ser proposta ação de abertura de inventário perante o Poder Judiciário, o chamado inventário judicial.
Qual o custo do inventário?
O valor do inventário varia conforme a quantidade e o valor de bens e direitos deixados pela pessoa falecida.
Assim, em caso de inventário extrajudicial, as custas do Cartório de Notas são cobradas conforme o valor total dos bens a serem partilhados, conforme tabela do Colégio Notarial Brasileiro, na data do inventário.
No caso do inventário extrajudicial, os custos são de 1% do valor do benefício econômico, em 1ª instância, em caso de recursos de apelação, tal valor somente aumenta.
Além disso, nos casos em que há litígios entre os herdeiros, pode haver, ainda, custos com peritos (para verificação de valores de imóveis, obras de arte e participações societárias, por exemplo) assistentes periciais, dentre outros, os quais somente podem ser avaliados caso a caso.
Além disso, seja no inventário judicial ou no extrajudicial, deve ser pago o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação). O imposto é calculado sobre o valor dos bens, que são avaliados pela Secretaria de Fazenda de cada estado.
A alíquota do imposto varia de estado para estado.
Quanto tempo demora uma ação de inventário judicial?
Não há uma regra geral de quanto tempo dura um inventário judicial.
Não se pode responsabilizar-se tão somente a burocracia do Poder Judiciário por tal demora, uma vez que a velocidade do trâmite depende da organização e agilidade das partes na apresentação de documentos sobre os bens e direitos e os herdeiros, bem como da existência de acordo entre as partes.
Outro fator que impacta muito no andamento de um inventário judicial é a disponibilidade de recursos para o pagamento de custos e do próprio ITCMD, uma vez que este somente é concluído após o seu pagamento.
Quando não há conflitos e há disponibilidade de valores para o pagamento de custas e do ITCMD, um inventário pode se encerrar em menos de 12 meses.
Porém, na prática, há questões mais complexas que impactam, intensamente, no tempo de duração de um inventário: os conflitos entre herdeiros e seus desentendimentos acerca da gestão dos bens que compõem o inventário!
Quais os fatores que influenciam no tempo de duração de um inventário judicial?
Desentendimentos de herdeiros e sucessores quanto à divisão dos bens e direitos deixados, seu valor ou sua administração levam ao aumento do tempo para a conclusão de um inventário.
Quando falamos em procedimentos judiciais, tais conflitos levam à propositura de novas ações, questionando a nomeação do inventariante (administrador dos bens e direitos deixados) e sua competência (ação de remoção de inventariante), a transparência, profissionalismos e parcialidade na gestão dos bens e direitos (ação de exigência de contas).
Além disso, há possibilidade de recursos processuais para questionar as decisões tomadas pelo juiz, como embargos de declaração e agravos de instrumento.
E há recursos para buscar a reforma de sentenças, como apelações e outros recursos que podem chegar ao Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal.
A cada decisão ou sentença questionado, aumenta-se o tempo de duração do inventário judicial.
Esses são os reflexos processuais dos conflitos entre herdeiros e sucessores, desentendimentos esses que só tendem a ser agravados com o passar do tempo, considerando os novos personagens que ingressam no inventário ao longo das gerações.
Esse foi um dos fatores que fez com que o inventário do Comendador Correa demorasse 107 anos, mais de um século!
Quem é o responsável pela administração dos bens durante o inventário?
Segundo o Código Civil, o cônjuge sobrevivente, via de regra, é o gestor dos bens e direitos deixados.
Mas, conforme o caso, os herdeiros e sucessores, diante da concordância do juiz, podem requerer que outro herdeiro seja nomeado como inventariante.
O inventariante tem como responsabilidade zelar pela conservação e correta administração dos bens e direitos deixados sob sua guarda.
Por exemplo, na hipótese de estarmos falando sobre um bem imóvel objeto de locação, as responsabilidades do inventariante incluem a manutenção o imóvel, pagamento de impostos, administração de contrato de locação, entre outros.
Ao falarmos de participações societárias, tais obrigações são mais complexas, pois implicam no exercício de direitos dos sócios, supervisionar para garantir a correta administração da sociedade, votar e participar de reuniões de sócios ou assembleias gerais, recebimento de lucros e dividendos, dentre outros, dependendo do ramo de negócios da pessoa jurídica.
Quanto a maior a quantidade de bens e a complexidade dos negócios, maior a responsabilidade do inventariante, o qual tem a obrigação de prestar contas aos herdeiros e sucessores acerca da gestão.
Mas, o que pode acontecer se as partes questionam a idoneidade ou capacidade do inventariante, afastando-o. O juiz pode determinar que outro herdeiro ou sucessor seja nomeado como inventariante ou, ainda, nomear um inventariante de confiança do juízo para gerir os bens e direitos, chamado de inventariante dativo.
Tal decisão depende da gravidade da litigiosidade entre os herdeiros.
Na hipótese de se nomear inventariante dativo, este deve ser remunerado por seus serviços, o que implica em aumento de custos do inventário.
Qualquer que seja o inventariante, ele tem o dever de prestar contas aos herdeiros e sucessores, os quais tem o direito a propor ação judicial competente para tanto.
Qual o papel do testamento?
O testamento do Comendador Correa continha caprichos e peculiaridades que prejudicaram a sua execução, sendo um dos principais motivos de um inventário judicial que durou 107 anos!
Em testamento, pode-se manifestar vontades, determinar a partilha de bens e direitos observadas as disposições do Código Civil, definir-se os papéis de cada personagem na administração dos bens, quem será o inventariante (responsável pela execução do testamento), por exemplo.
Caso um testamento venha a desrespeitar alguns dos preceitos legais, o testamento pode ser questionado judicialmente, o que certamente pode gerar maior demora no encerramento do inventário.
O testamento tem de ser claro e apto à execução para ser efetivo quanto aos seus efeitos.
Como a demora pode prejudicar o legado deixado?
Os conflitos e desentendimentos podem acabar com o legado familiar!
Ora, depois de 107 anos, nenhum dos herdeiros e sucessores do Comendador Correa recebeu bens do inventário, estes foram perdidos em meio às brigas.
Sinceramente, quem nunca se recorda de ter ouvido comentários de um amigo ou conhecido acerca de “fulano” que administra o inventário de “ciclano”, e que todos tem certeza de que está agindo de forma errada ao apropriar-se de valores, por exemplo.
As longas, desgastantes e custosas ações judiciais podem “arrastar” os inventários por anos e anos.
Tempo durante o qual se os bens e direitos não forem administrados corretamente, se os impostos não forem pagos corretamente, pode-se assistir ao surgimento ou aumento de passivo representativo ou, ainda, na depreciação de bens, como é o caso de imóveis e automóveis que não são conservados corretamente.
Imagine, então, os danos que podem ser feitos às empresas?
E, assim, mês após mês, o patrimônio deixado aos poucos se perde.
Como minimizar os riscos do inventário judicial?
A boa notícia é que é possível se reduzir a possibilidade de perda patrimonial decorrente de conflitos entre herdeiros e sucessores, por meio do planejamento sucessório (https://en.azevedoneto.adv.br/planejando-com-sucesso-as-estrategias-para-o-planejamento-sucessorio-de-sucesso/)!
A arquitetura sucessória, outro nome dado ao planejamento sucessório, é uma ferramenta cujos benefícios vão muito além da economia tributária, estendem-se à forma de gestão do bem influenciando na harmonia familiar e na preservação dos bens (https://en.azevedoneto.adv.br/o-que-e-o-planejamento-sucessorio-e-quais-os-seus-beneficios/).
Quando se fala em planejamento sucessório, estamos falando em muito mais do que a redução do valor dos impostos e custas pagos na sucessão (https://en.azevedoneto.adv.br/planejamento-sucessorio-o-futuro-da-sua-familia-esta-garantido/).
O planejamento sucessório é realizado a partir da análise do perfil e necessidades de cada família, levando-se em consideração os desejos de seus idealizadores (https://en.azevedoneto.adv.br/tudo-o-que-voce-sempre-quis-perguntar-sobre-o-planejamento-sucessorio/).
Então, são analisadas as melhores estratégias para a redução de impostos, proteção do patrimônio, profissionalização de gestão, dentre outros.
Há diversos instrumentos que podem ser utilizados para a organização e formatação de um planejamento sucessório tais como o testamento, alteração do regime de casamento, pacto antenupcial, doação com reserva de usufruto de bens imóveis, constituição de holding patrimonial, acordo de sócios, dentre outros.
Por meio do testamento, uma pessoa pode manifestar seus desejos, especificando que bens deverão ser destinados a herdeiros, evitando discussões futuras.
O planejamento sucessório permite a estruturação antecipada da sucessão do patriarca ou matriarca da família, podendo, conforme o caso, ter as seguintes finalidades:
- Economia tributária na sucessão patrimonial;
- Preservação patrimonial, por meio de ferramentas que implementam as regras para a administração do patrimônio, após o falecimento do patriarca ou matriarca;
- Harmonia das relações familiares;
- Proteção patrimonial, para as famílias empresárias, garantindo o sustento familiar em meios às crises e à instabilidade político-econômica;
- A profissionalização da administração da empresa familiar; e
- Evitar a demora e custos de ação de abertura de inventário, principalmente quando há hostilidade entre herdeiros.
O planejamento é um investimento a ser feito na preservação do patrimônio, que utiliza como ferramentas não apenas holdings patrimoniais e doações. Há muitos outros recursos cujo uso deve ser avaliado de acordo com o caso prático e com as prioridades de cada família.
O melhor momento para pensar em realizar o planejamento é agora, compreendendo-se que é um investimento no planejamento do futuro, consulte um dos especialistas do Azevedo Neto Advogados e conheça mais sobre a arquitetura sucessória!
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